quinta-feira, 16 de julho de 2009

Avô

Atenção - a maior parte do que escrevi em baixo não é verdade; surgiu tudo da minha imaginação (:

Onde estás Avô?
Hoje sinto tanto a tua falta!
Apetece-me fazer como antigamente, quando permanecias no teu velho cadeirão, como se fosses um rei no seu trono de sonhos, e eu me sentava no teu colo em silêncio, a olhar para a chuva, a beijar a sujidade rugosa das vidraças, remetida ao meu corpo pequenino e à minha tendência para mergulhar nos rios dos pensamentos, onde flutuava à tona de água mesmo sem saber nadar. Onde teimava em crescer intelectualmente, como se o meu destino fosse esse louco desejo de viver prematuramente a inocente sabedoria da menina que era com 1 ano e 11 meses de idade, com tendência para a introspecção.
Onde estás, Avô?
Sinto saudades da tua respiração asmática, do teu bigodinho, do teu ar frágil, da forma como auscultavas os meus estados de espírito, quando armado em raposa astuta, me olhavas pelo canto do olho, como se procurasses decifrar o chilrear dos pássaros, que por vezes se abeiravam da janela.
Sim, tenho saudades de quando com a tua voz timbrada e serena me dizias com a repetição de um disco riscado: - O que foi agora cachopa? (menina).
Aí do céu, consegues dizer às estrelas que me libertem desta nebulosidade intensa, que se apoderou hoje do meu coração?
É que eu, Avô, preciso ver-te, preciso ouvir a tua voz rouca, como se o vento morasse na tua garganta seca pelo tabaco barato, que enrolavas cuidadosamente nas mortalhas, e logo depois colocavas no canto da boca, como se de repente a transformasses numa chaminé de fumo negro e poluidor.
Hoje preciso que me dês a mão, como fazias quando me levavas contigo nos teus passeios matinais à praia. Que ralhes comigo com a mesma transparência com que me oferecias os teus ensinamentos, os gelados e os rebuçados que guardavas nos bolsos.
Esses tempos eram duros, avô, eu sempre o pressenti! Não imaginas o quanto me enternece hoje quando concluo que mesmo assim essas dificuldades nunca te proibiram de me abrir as portas desse teu coração nobre e bondoso. Quando estava triste, inventavas sempre palavras só para me arrancar um sorriso.
Onde estás Avô?
Preciso ouvir-te alertar-me de novo, como quem espalha uma profecia divina, que a realidade do mundo não são os sonhos que tão prematuramente se apoderaram da minha alma. Sim, preciso que me alertes, mas que me digas como antes: que apesar de tudo são esses mesmos sonhos que nos devolvem a alegria de viver!
Quero ver nos teus olhos verdes a tua sabedoria, a tua sensibilidade extrema, mas hoje não te vejo Avô, onde estás?
Não foi certamente por acaso que te chamei 'papi', na ânsia de chamar-te pai. Tu sempre me ensinaste a seguir a claridade transparente dos caminhos, sempre! E agora que não tenho pai, quem me orienta?
Terá sido por isso que mais tarde escrevi um pequeno texto, que foi a forma mais inocente que encontrei de te homenagear?
Comecei por te chamar papi, pai, avózinho!
Sabes? Tu foste acima de tudo o meu melhor amigo nos meus tempos de menina triste e sonhadora.
Quando te chamei papi, terá sido esse o preciso momento em que me dispus a brincar com as palavras, como se elas fossem tudo para mim? Para ser uma menina feliz nunca precisei das poucas bonecas que me deste no meu primeiro ano de vida, nem dos brinquedos que via nas montras. Precisei apenas dos campos verdes para rebolar na relva como se fosse uma bola descontrolada, das margaridas a polvilhar a terra fértil, de ver as joaninhas a esvoaçar nas suas asas com bolinhas minúsculas, de cantarolar 'joaninha voa voa…', como se rezasse ao Deus em que acreditavas. Dos pirilampos a romper do meio das vinhas com as suas luzes brilhantes, das papoilas em incêndios rubros pelos caminhos quando chegava a Primavera.
Recordas-te do dia 7 de Maio de 1990, depois do teu funeral que eu não queria entrar dentro de casa, enquanto não chegasses? (Era tão pequena e, apesar de ninguém me ter dito que tinhas morrido, nem para onde tinhas ido, sabia que não voltavas, e que nunca mais te ia ver! Não sei como, mas sabia.) Sim, sei que sim! Sendo assim avô, hoje, 18 anos depois, vou secar as lágrimas que me beijam neste momento as faces. Tu afinal estás e sempre estiveste aqui, ao meu lado. Invisivel e inaudivel, mas estiveste e vais estar sempre!
Sorris para mim. Oh, quanta saudade meu querido! Avô, deita fora esse maldito cigarro, já!
E agora, envolve-me em teus braços como fazias quando eu estava mais triste.
Está bem, 'papi'?

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